O Mosaiko – Instituto para Cidadania, organização não-governamental angolana de defesa dos direitos humanos denuncia o “tratamento deplorável” das autoridades angolanas a “imigrantes ilegais” da República Democrática do Congo, incluindo crianças e grávidas, no quadro da “Operação Transparência” que decorre em Angola.
Numa nota de imprensa, o Mosaiko (que teima em julgar que Angola já é o que não é – um Estado de Direito) manifesta-se “bastante preocupado” com a operação de “combate à imigração e exploração ilegal de diamantes”, iniciada a 25 de Setembro.
De acordo com o Mosaiko, que apela ao “respeito dos direitos humanos” e às convenções internacionais rubricadas por Angola, a “inquietação” baseia-se em “factos evidenciados” entre os dias 14 e 18 de Outubro no município do Cuango, província angolana da Luanda Norte.
No local, a equipa do Instituto, que procedia a uma monitorização do Relatório de Avaliação Participativa sobre o Acesso a Justiça, constatou que várias pessoas “ficavam entre dois e três dias à espera de transporte, sem o mínimo de condições para passar as noites”.
“Sem alimentos, e muitas delas dormindo no chão, sem agasalhos, as pessoas, inclusive crianças e mulheres gestantes, eram levadas até à fronteira nas carroçarias de camiões em condições deploráveis”, refere o Mosaiko.
Para a instituição angolana de defesa dos direitos humanos, os actos “transgridem o direito à liberdade e à protecção” previstos na Constituição da República de Angola (CRA), bem como “à livre circulação e à escolha de domicílio”, conforme a Lei sobre o Regime Jurídico dos Estrangeiros na República de Angola.
Segundo as autoridades angolanas, a “Operação Transparência” levou já ao “repatriamento voluntário” (voluntário significa que se faz de boa vontade e sem constrangimento) de mais de 380.000 cidadãos estrangeiros, à apreensão de mais de 17.000 quilates de diamantes, dezenas de motorizadas e viaturas e o encerramento de mais de 200 casas de compra e venda de diamantes.
Em Outubro, o Governo angolano insistiu que eram “completamente falsas” as afirmações sobre “massacres, sevícias e violações dos direitos” praticadas pelas autoridades ou populares a imigrantes ilegais, sobretudo os da República Democrática do Congo (RD Congo).
“Não foram praticados quaisquer actos de violência por parte das autoridades militares ou policiais susceptíveis de serem classificados como violações dos direitos humanos contra cidadãos da RD Congo”, garantiu na ocasião, Pedro Sebastião, ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente angolano.
Contudo, o Mosaiko refere que as crianças, adolescentes e jovens em idade escolar “são obrigados a abandonar os estudos” para acompanhar os progenitores, o que “viola o seu direito à educação”, previsto na Constituição angolana e no artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
“O Estado Angolano não só ratificou tratados internacionais, como também acautelou na sua Constituição que todos os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a DUDH, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e os tratados internacionais”, observou o Mosaiko.
“Cada pessoa, estrangeira ou não, deve ser tratada com dignidade e respeito. A eventual ilegalidade das pessoas não justifica os maus-tratos aos quais têm sido submetidas. Por isso, apelamos ao Governo de Angola, aos órgãos competentes, para que no pleno comprometimento que o Estado Angolano e os órgãos de soberania têm com as pessoas, independentemente de qual seja a situação, cuidem para que os seus direitos sejam respeitados”, concluiu a nota assinada pelo director-geral da organização, Júlio Candeeiro.
O que o Folha 8 escreveu no dia 31 de Outubro, sob o título: “80 mil crianças expulsas de Angola estão em risco”:
«Oitenta mil crianças estão em risco no sul da República Democrática do Congo. O alerta é feito pela UNICEF. As crianças fazem parte do grupo de congoleses repatriados por Angola, na sequência da estratégia do Governo de João Lourenço para, supostamente, pôr em ordem e na ordem a indústria de exploração de diamantes.
As Nações Unidas já denunciaram abusos, muitos considerados graves, na forma como os repatriamentos massivos têm ocorrido com actos de violência sobre mais de 300 mil pessoas, muitas das quais até tiveram direito a participar nas eleições e com liberdade total para votarem em quem quisessem… desde que fosse no MPLA.
“A UNICEF estima que, entre os retornados, mais de 80 mil são crianças e estas crianças necessitam de ajuda humanitária imediata,” diz Christophe Boulierac, porta-voz da agência das ONU.
A maior parte destas crianças até nasceu em Angola e fala apenas o português. Acresce o facto de muitas terem sido forçadas a atravessarem a fronteira sozinhas. Christophe Boulierac alerta para o facto de algumas das crianças estarem “a sofrer de hipoglicémia e é possível que aumentem os casos de subnutrição aguda, que deixa as crianças mais vulneráveis a todos os tipos de doença.”
A UNICEF apela à constituição de um fundo de 3 milhões de dólares para ajuda imediata a estas crianças. A agência das Nações Unidas estima que vão ser necessários mais 6 milhões para reinstalar os retornados de Angola.
Serão seres humanos inferiores?
As autoridades angolanas disseram no passado dia 21 que “secaram” a fonte de sobrevivência de milhares de cidadãos da República Democrática do Congo (RD Congo) que se dedicavam à exploração e comercialização ilegal de diamantes em Angola, levando-os a abandonar o país. Também “secaram” a de muitos angolanos que, como os seus irmãos congoleses, são cidadãos de terceira.
“E esse tem sido um dos motivos por que milhares e milhares de cidadãos da RD Congo (mais de 380 mil) abandonam o país, porque nós encerrámos as casas de compra de diamantes, eles não têm mais as cooperativas abertas”, disse o porta-voz da “Operação Transparência”, António Bernardo. Antes desta tinham sido as operações Luembe-1, Luembe-2, Luembe-3, Relâmpago e Kukomba.
A operação, que teve início a 25 de Setembro, decorreu nas províncias da Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Bié, Malanje, Cuando-Cubango e Uíje, e, segundo as autoridades, tem como fundamento o “combate à imigração e exploração ilegal de diamantes”.
Mais de um milhão de dólares, 17.000 quilates de diamantes, 51 armas de fogo, dezenas de viaturas e motorizadas são algumas apreensões resultantes da operação, que também encerrou centenas de casas de compra e venda de diamantes e 91 cooperativas.
De acordo com o comissário António Bernardo que, no Comando Municipal do Lucapa, província da Lunda Norte, procedia à apresentação dos meios apreendidos, os imigrantes ilegais usavam vários mecanismos para aliciar vendedores de diamantes.
“Por forma a estimular cada vez mais angolanos ou não, imigrantes ilegais que aqui se encontravam para mais exploração, mais tráfico ilícito de diamantes, ofereciam viaturas ligeiras a pessoas que vendessem pedras de diamantes que oscilavam entre os 3.000 e os 5.000 dólares”, explicou.
Segundo o oficial superior da Polícia angolana, o aliciamento também era direccionado para traficantes que apresentassem pedras que tivessem valor “igual ou superior a 15.000 ou 20.000 dólares”.
“Portanto, quem conseguisse chegar até uma dessas casas de compra tinha direito ao montante acordado e mais uma viatura Land Cruiser”, adiantou.
E essa operação “é o motivo desses imigrantes afirmarem que não têm mais razões para continuar aqui em Angola. A “saída massiva desses cidadãos ao nosso país”, mais de 380.000, “deve-se a esse factor, secou a fonte e estão aí as provas”, apontou.
Balanças, lâmpadas para análise e verificação de pedras de diamante, cofres, telemóveis, geradores fazem parte também do conjunto de material apreendido no âmbito da “Operação Transparência”.
Numa visita a Dundo, no norte de Angola, fronteira com a RD Congo, o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança da Presidência da República de Angola, Pedro Sebastião, afirmou que os migrantes saíram voluntariamente do país.
O ministro indicou aos jornalistas que, durante a “Operação Transparência”, diamantes no valor de um milhão de dólares foram confiscados, 231 locais destinados ao comércio ilegal de diamantes foram fechados e foram apreendidas 59 armas.
“É preciso deixar claro que a Operação Transparência não se baseia em sentimentos xenófobos contra cidadãos de países vizinhos ou de outras nacionalidades”, notou Pedro Sebastião.
Recorde-se que muitos congoleses acusaram as autoridades angolanas de brutalidade nas expulsões de Angola e o Governo da RD Congo manifestou “toda a indignação e o vivo protesto” ao Executivo angolano, não só pela violência como pela “perda de vidas humanas”.
Por sua vez a ONU expressou preocupação sobre a saída forçada de Angola de centenas de milhares de cidadãos da vizinha RD Congo, admitindo que a situação está a gerar uma crise humanitária, situação negada, entretanto, pelas autoridades policiais angolanas.
O comandante-geral da Polícia Nacional angolana, Paulo de Almeida, negou as informações sobre alegadas mortes de cidadãos da RD Congo, considerando-as “especulações” que “têm como objectivo travar a operação e acção das autoridades” de Angola.
“Não devemos estar preocupados com essas informações, que têm sempre uma visão de impedir e dificultar aquilo que nós queremos para o bem do país”, disse Paulo de Almeida, garantindo que a operação “vai continuar” e que as autoridades se mantêm “firmes e disciplinadas”.
É tudo verdade? Hum!
Em Julho, mais de 4.800 pessoas trabalhavam em pequenas cooperativas de extracção artesanal e semi-industrial de diamantes em Angola, mas apenas 32 estavam devidamente legalizadas pelas autoridades, segundo números da própria Endiama, a concessionária estatal do sector diamantífero.
De acordo com dados do presidente do Conselho de Administração da Endiama, José Ganga Júnior, no cargo desde Novembro último, até ao fim do ano de 2017 foram recebidas “750 solicitações” para legalização deste tipo de cooperativas.
“Ao que nos apercebemos, as solicitações foram exageradas e nem sequer houve condições para tratar de forma correcta os processos. Então, as autorizações de exploração foram rapidamente dadas verbalmente, sem documentação, sem nada disso”, situação que o administrador da Endiama explica com o período eleitoral que o país viveu em 2017.
Entretanto, a empresa estatal responsável pelo sector diamantífero, o segundo produto de exportação de Angola, com mais de mil milhões de euros de vendas anuais, refere que no levantamento feito a este tipo de actividade já detectou mais de 400 processos de solicitação ou cooperativas já em funcionamento, que se sobrepõem a áreas concessionadas para exploração industrial ou de outras cooperativas.
Daí que, defende José Ganga Júnior, é necessário que esta actividade de garimpo artesanal seja “mais controlada”, com a Endiama a ultimar a entrega ao Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos, para licenciamento final, de mais 230 cooperativas.
Desde 2016 que as empresas interessadas em negociar diamantes do mercado artesanal angolano, extraídos por pequenas cooperativas, estão obrigadas a comprar, mensalmente, o equivalente a quatro milhões de dólares (3,5 milhões de euros).
A informação consta do documento com a nova Política de Comercialização de Diamantes Brutos, aprovada por decreto presidencial no final de Agosto de 2016, e que mantinha a comercialização (da produção industrial e artesanal) obrigatoriamente através da empresa pública Sodiam.
Na componente da extracção artesanal, que tem vindo a ser impulsionada pelo Governo angolano, por juntar os garimpeiros em cooperativas e assim aumentar a produção ao mesmo tempo que travam o garimpo ilegal, o documento define que a Sodiam – que pertence à Endiama – deve subcontratar empresas especializadas para essas compras.
Contudo, como requisitos, essas empresas assumem a obrigatoriedade de comprar mensalmente o equivalente a quatro milhões de dólares de diamantes “no mínimo” e de patrocinarem as cooperativas artesanais e semi-industriais, bem como dos artesãos individuais.
Recorde-se que o Presidente da República e Titular do Poder Executivo, João Lourenço, ordenou a criação de uma comissão de apoio ao Conselho de Segurança Nacional, integrando governantes, polícias, militares e serviços secretos, para (entre outras valências) combater o tráfico de diamantes a partir de Angola.
João Lourenço, ao contrário de um conhecido provérbio, parece acreditar (ao arrepio do que pensou durante 38 anos José Eduardo dos Santos) que “Roma e Pavia se fizeram num dia”. Mas, passada a euforia inicial, tudo vai melhor… na mesma.
A medida consta de um despacho de 27 de Novembro, assinado pelo chefe de Estado, criando esta comissão, liderada pelo general Pedro Sebastião, ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente da República.
O documento aponta a “necessidade de se reforçar as medidas de combate à criminalidade organizada, controlar os fluxos migratórios, de reforço da segurança fronteiriça, bem como assegurar a convivência pacífica e ordenada entre os cidadãos angolanos e estrangeiros em todo o território nacional”.
Louvável iniciativa. Mais vale tarde do que nunca, é certo. Pena é que um problema que tem dezenas de anos não tenha sido resolvido por anteriores governos, todos do MPLA, nos quais João Lourenço teve voz activa, fosse como dirigente do partido ou como ministro da Defesa.
O garimpo ilegal de diamantes, normalmente realizada por imigrantes ilegais, provenientes sobretudo da vizinha República Democrática do Congo, nas províncias diamantíferas do leste, tem sido apontado como problemático, pelas autoridades angolanas.
Recorde-se que, no final de Novembro passado, as autoridades angolanas já tinham expulsado milhares de imigrantes ilegais do município de Cambulo, província da Lunda Norte, no âmbito da operação “Luembe”, contra o garimpo de diamantes e que já levara à saída voluntária de mais de 20.000 ilegais.
A comissão (uma de muitas) criada pelo Presidente João Lourenço ficou encarregue de “tratar do planeamento estratégico das questões atinentes à imigração ilegal e ao tráfico ilícito de diamantes”, bem como da “análise e formação de medidas a serem executadas” com vista ao “controlo da imigração, do registo e acompanhamento dos residentes estrangeiros no país e do combate à exploração, posse e comercialização ilícita de diamantes”.
Integraram esta comissão, ainda, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Frederico Manuel Cardoso, como coordenador adjunto, bem como os ministros da Defesa Nacional, Interior e da Justiça e dos Direitos Humanos, além do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Angolanas, do comandante-geral da Polícia Nacional, dos chefes dos serviços secretos e do Serviço de Investigação Criminal e do próprio presidente da Endiama.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço exortou a nova administração da Empresa Nacional de Diamantes de Angola (Endiama), a segunda maior empresa nacional, a definir “boas políticas” para o sector, de forma a captar “grandes investidores estrangeiros”.
“Precisamos de boas políticas neste sector dos diamantes. Políticas que atraíam os grandes investidores, as multinacionais do diamante, de forma a que elas se sintam motivadas a investir no nosso país, a exemplo do que fazem em outras partes do mundo”, disse João Lourenço, na intervenção que fez após dar posse à nova Administração da Endiama.
“Acreditamos que se encorajarmos uma política de comercialização que seja justa e transparente, vamos com isso atingir dois grandes objectivos. Atrair os investidores, por um lado, e de alguma forma desencorajar, afastar, o garimpo [ilegal, de diamantes] do nosso país”, apontou ainda, na mesma intervenção, João Lourenço.»
Folha 8 com Lusa